Uma milonga na taberna

Para os desavisados, a profusão de sons, por vezes caótica, que paira à noite sobre as pedras seculares da calçada da Travessa dos Venezianos até pode surpreender. Afinal, até alguns anos atrás, esse reduto histórico da Cidade Baixa era uma ilha de sossego em meio ao multifacetado bairro boêmio de Porto Alegre.

O caldo sonoro, por vezes apimentado, vem da música ao vivo que ecoa desde as casinhas de porta e janela, somada ao burburinho do público que se acomoda do lado de fora, de copo na mão. Agora, surge um novo bar disposto a instaurar – ou, melhor dizendo, reinstalar – um ambiente mais intimista na histórica travessa, construída no início do século passado, ainda que sem atravessar o ritmo. 

É o Milonga, inaugurado no último dia 15 de julho, sob a inspiração das antigas tabernas.

— É muito bom estar aglomerado no espaço aberto da calçada, mas é preciso que também haja lugar para trocas mais pessoais, com uma interação que permita encontros inesperados, o que só um bar com cadeiras próximas umas das outras pode proporcionar – diz Pepe Martini, que abriu o Milonga em sociedade com o pai, Ronivon.

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A rua da passagem

A rua existe desde 1883, mas pouca gente sabe que, logo que foi aberta, a Joaquim Nabuco não tinha o traçado que possui hoje.

Nos primeiros tempos, só existia o trecho entre a Rua da Olaria (atual Lima e Silva) e a Concórdia (agora José do Patrocínio). No mapa de Porto Alegre de 1896, já avançava um pouco além, ainda sem alcançar a João Alfredo. O prolongamento até a antiga Rua da Margem só apareceu na década de 1940.

Curiosamente, é justamente o pedaço mais antigo dessa tradicional via da Cidade Baixa – bairro mais notívago de Porto Alegre – que renasceu nos últimos tempos.

Não faz muito, pouco iluminado, o quarteirão original chamava mais atenção pelo risco de assaltos do que pelo agito da boemia. Era quase uma rua de passagem, especialmente para os que se dirigiam ao Opinião, uma das principais casas de shows da cidade, encravada na esquina com a José do Patrocínio.

Mas, de uns anos para cá, novos points noturnos deram outra cara à Joaquim Nabuco, que, sem fazer alarde, virou um dos pontos de referência da Cidade Baixa, região que se destaca por dispor de vários núcleos boêmios espalhados por suas avenidas, ruas e travessas.

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Um pronto-socorro dos pneus

Uma tábua de salvação dos motoristas.

É como pode ser classificada a Borracharia Chacrinha, uma das mais raras que funciona 24 horas por dia em Porto Alegre.

Há quase 40 anos, está sempre aberta na esquina da Rua Santana com a Doutor Olinto de Oliveira, às margens da Avenida Ipiranga. Mais que um borracharia, a essa altura, já virou um ponto de referência afetiva para mais de uma geração de moradores da cidade.

A história da borracharia está irremediavelmente ligada à memória de seu fundador, Edison Jesus Araújo Cavalheiro, o Chacrinha.

Natural de Uruguaiana, Chacrinha veio para Porto Alegre ali pelos 12 anos de idade. Após a separação dos pais, chegou acompanhado da mãe, Jandira, e dos três irmãos.

Fez de tudo um pouco nessa vida – vendeu frutas, trabalhou como frentista num posto de gasolina e dirigiu taxis. Em 1983, largou o volante para abrir a borracharia. Foi meio que de supetão:

— Uma noite, rodei a cidade inteira atrás de uma borracharia e não achei. Então, resolvi abrir uma que funcionasse 24 horas por dia. Deu certo.

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De volta às calçadas da Osvaldo

Bar de calçada, o Osvaldo está reanimando a cena noturna do Bom Fim, principal gueto boêmio de Porto Alegre nas últimas décadas do século 20.

Para o comunicador Miltinho Talaveira, é a calçada mais democrática da cidade.

— É um bar inclusivo e diverso. Pode vir sem combinar com ninguém e sempre vai achar uma pessoa conhecida. Fora isso, é onde se bebe o melhor Negroni da cidade — assegura Miltinho, que se autoproclama “embaixador” da casa localizada na Avenida Osvaldo Aranha, nº 784, quase na esquina com a Rua Santo Antônio.

Ali, Miltinho tomou o primeiro drinque {a composição do Negroni é gin, campari e vermute rosso} depois de se vacinar contra a covid-19. Não foi o único a sair da toca.

Após se autoconfinar por oito meses no limite de dois ou três quarteirões ao redor do prédio em que mora, na Cidade Baixa, o professor da Fabico (Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS), Fabrício Silveira, cruzou a Redenção para conhecer o bar Osvaldo.

— Cheguei aqui, meu Deus, que impacto! Parece outra cidade. Tomara que, neste embalo, a noite do Bom Fim ganhe vida nova. Estamos precisando disso — diz Fabrício, autor de livros sobre as mutações da cultura contemporânea, como Rupturas instáveis: entrar e sair da música pop (Libretos, 2013).

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Paulo César Teixeira
Cerveja é coisa de mulher, sim!

Inspirada na origem feminina da cerveja e em parceria com a DaLuz, outra marca de cerveja artesanal, a Sapatista está prestes a abrir a mais nova casa noturna da Rua João Alfredo (número 557), na Cidade Baixa – principal reduto boêmio de Porto Alegre.

A inauguração do bar Nincasi está marcada para 4/11.

O nome não ficou escolhido à revelia. Tem a ver com uma deusa cervejeira reverenciada pelos sumérios – um dos primeiros povos a habitar o sul da Mesopotâmia (região que hoje pertence ao Iraque), 5 mil anos a.C.

Na mitologia dessa sofisticada civilização, conhecida por ser a primeira a desenvolver uma forma de escrita, Nincasi tinha a missão de preparar a bebida sagrada para satisfazer o desejo e saciar o coração.

— Quando os arqueólogos acharam o manuscrito do hino da Nincasi, viram que nada mais era do que uma receita de cerveja — revela Roberta, dona da Sapatista.

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Um paraíso ao Deus-dará

Belém Novo continua atraindo novos moradores em busca de paz e sossego, além de visitantes vindos de outros bairros e da região metropolitana de Porto Alegre.

Recentemente, jovens adotaram uma clareira junto à mata na Praia do Veludo, nas bordas do Morro da Cuíca, especialmente aos fins de semana, para assistir ao pôr-do-sol, que se reflete sobre as águas do Guaíba.

— É uma região da cidade com vocação para o lazer e a recreação, quem sabe até pudesse se transformar em ponto turístico, mas sofre com o descaso e a falta de cuidado do poder público — afirma a arquiteta e urbanista Clarissa Maroneze Garcia, autora da dissertação Ver o presente, revelar o passado e pensar o futuro: A evolução urbana do bairro Belém Novo em Porto Alegre – RS para o mestrado em Planejamento Urbano e Regional da UFRGS.

Só que, nos últimos anos, esse quadro de calmaria e abandono vem sendo impactado proposta de construção de um condomínio de luxo na antiga Fazenda do Arado Velho.

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Paulo César Teixeira
Cultura em alta na Cidade Baixa

Fazia tempo que o bairro mais boêmio de Porto Alegre merecia ganhar um centro cultural.

Hoje, quem passar em frente ao número 296 da Rua José do Patrocínio já vai observar o nome Centro Cultural Cidade Baixa escrito na fachada do sobrado. Mas, por enquanto, a casa opera prioritariamente como bar. Assim que a pandemia da covid-19 for superada, deverá abrigar espetáculos de música e teatro, exposições de artes visuais e mostras de filmes, além de ensaios, rodas de conversa, palestras, cursos e oficinas. No pátio externo, a intenção é promover feiras de brechó e artesanato.

— A ideia é resgatar as ações culturais que foram perdidas nos últimos tempos não só por conta da covid-19, mas também pela posição do atual governo brasileiro de desestimular a produção de cultura no País — diz o analista de sistemas Lídio Hermínio Freitas Jr., um dos idealizadores do projeto.

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A história do 512

O Espaço Cultural 512, uma das principais casas noturnas de Porto Alegre, está à venda. Embora conte com uma estrutura que abrange três imóveis na Rua João Alfredo, um dos redutos boêmios mais agitados da capital gaúcha, o principal ativo do 512 é a sua rica história construída ao longo dos últimos 15 anos, uma trajetória marcada pela identidade com a produção artística de Porto Alegre e a memória afetiva de seus fiéis frequentadores. Essa história é contada neste texto.

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O último pé-sujo da Cidade Baixa

De uns tempos para cá, os botecos que dispensam glamour e reúnem públicos ecléticos – atraídos pela informalidade do ambiente e, principalmente, pelo preço baixo das bebidas – estão em vias de extinção na Cidade Baixa, tradicional bairro boêmio de Porto Alegre.

O primeiro a sair do mapa da CB foi o Garibaldi, ou Bar da Tia, em maio de 2017. Neusa Tormes – a dona do boteco da Avenida Venâncio Aires, defronte à Praça Garibaldi – resolveu dar um tempo para curar dores ósseas decorrentes de 21 anos de labuta de pé, atrás do balcão. Ficou órfã a galera que frequentava o “Garibas”, incluindo desde estudantes da área de ciências humanas da UFRGS até ativistas da diversidade sexual e devotos das bikes como opção de mobilidade urbana, passando ainda por clássicos boêmios adeptos do martelinho a qualquer hora do dia.

Em novembro de 2020, chegou a vez de o IN Sônia Bar encerrar as atividades em função da crise econômica provocada pela pandemia da Covid-19. Como autêntico pé-sujo, o bar de Sonia Maria Ferreira Bastos (que se candidatou a vereadora em 2020, em Porto Alegre, pelo PSOL) acolhia tribos urbanas de vários espectros, a maioria formada por jovens de baixo poder aquisitivo, na Rua José do Patrocínio, entre a Lopo Gonçalves e a Joaquim Nabuco.

Para representar a tradição dos bares populares da Cidade Baixa, restou o Rossi Bar, entrincheirado na esquina da Lima e Silva com a Lopo Gonçalves.

— De boteco mesmo, de verdade, agora só tem o meu para carregar a bandeira — resigna-se o dono do Rossi.

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O anjo do Bom Fim

Pouca gente sabe que, antes de se transformar num dos restaurantes mais populares de Porto Alegre, a loja do nº 1086 da Osvaldo Aranha abrigava uma agência do Banrisul. Quem descobriu o ponto foi Neuro, sobrinho de seu Ivo, fundador da Lancheria do Parque, que, aliás, acaba de ser reaberta após sete meses de fechamento por causa da epidemia da covid-19.

Assim, no dia 9 de maio de 1982, Ivo abriu a Lancheria do Parque, atualmente um patrimônio afetivo dos porto-alegrenses, que agora está de volta ao dia-a-dia da cidade.

— Quase entrei em pânico nessa quarentena. Estou habituado com o público, não consigo ficar sem trabalhar. Dá uma tristeza. Estava com saudade! — diz Ivo José Salton, o seu Ivo, de 68 anos, criador da Lanchera, apelido carinhoso que identifica o restaurante há quase quatro décadas.

Neste ano conturbado de 2020, Ivo cumpriu a quarentena no apartamento em que vive com Inês, localizado exatamente em cima da Lancheria. De vez em quando, entrava no restaurante para acompanhar a reforma promovida para adaptar o espaço às regras de distanciamento social.

— Não consigo ficar longe, é uma vida aqui dentro — diz ele.

Com o retorno das atividades após a quarentena, a ideia é diminuir o ritmo, já que enfrentou problemas de saúde recentemente e, além do mais, faz parte do grupo de risco da covid-19 por causa da idade. Mas Ivo não planeja se aposentar tão cedo. Nem deve, porque nós sentiríamos demais a sua falta.

— O Ivo é um homem de enorme coração e plena bondade, com um profundo conhecimento da alma humana. Ele é um verdadeiro anjo do Bom Fim — diz Antônio Calheiros, o Toninho do Escaler, o lendário bar que, embaixo de jacarandás, na Redenção, também agitou a cena boêmia de Porto Alegre na reta final do século XX.

Por sinal, o Escaler vai virar livro, mas essa é uma outra história, que vai ser contada muito em breve, logo ali adiante.

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Um passeio pela Cidade Baixa

Quem caminha pelas ruas da Cidade Baixa percebe que a paisagem sugere lembranças e revela significados, como se contasse histórias ao pé do ouvido.

É o que acontece quando a arquitetura e a história andam de mãos dadas, ainda mais num bairro histórico como a CB, o mais antigo de Porto Alegre depois do Centro Histórico.

Essa sensação aparece não só em ruas tranquilas, como a Alberto Torres e a Travessa dos Venezianos, mas também nas mais movimentadas, a exemplo de José do Patrocínio, Lima e Silva, João Alfredo e República, que também expõem o passado no momento presente.

As características arquitetônicas e urbanísticas dessa região privilegiada da cidade, analisadas sob a perspectiva histórica, constituem a questão central de Porto Alegre, Cidade Baixa: um bairro que contém seu passado (Editora Marcavisual), livro recém-lançado pelo arquiteto e historiador Renato Gama Menegotto.

O livro lança luz sobre edificações erguidas na CB, nas primeiras décadas do século passado, por arquitetos, engenheiros e “práticos com licença para construir” (profissional sem formação acadêmica, figura bastante comum à época), com base em pesquisa realizada pelo autor entre 1996 e 2017.

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Sob nova direção

O mais antigo bar em atividade na Rua João Alfredo está sob nova direção.

Em março de 2003, o Paraphernália entrou em cena como um dos protagonistas da retomada boêmia do bairro, que teria também a participação de estabelecimentos como Nega Frida, Pé Palito e 512, entre outros, ao longo da primeira década do século XXI.

O Paraphernália está passando por reformas, com adaptações na cozinha, troca de azulejos e limpeza de coifas, entre outros ajustes, para reabrir em julho em sintonia com as medidas de restrição impostas pela legislação devido à pandemia da Covid-19. As mudanças não se limitam à estrutura física do boteco:

— Vou mudar o perfil do bar, como já anunciei nas redes sociais. A repercussão da novidade está sendo excelente — relata o produtor cultural Julio Ricardo Rodenstein, que arrendou a casa noturna pelos próximos cinco anos.

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Retratos com alma

Ricardo Stricher, 64 anos – “Me sinto um guri”, diz – é um cronista fotográfico de Porto Alegre.

A trajetória profissional de mais de quatro décadas inclui imagens publicadas em jornais como Zero Hora, O Globo e Jornal do Bom Fim (já extinto), além de 38 anos no setor de fotografia da prefeitura da Capital como servidor público. Aposentado há cinco anos, continua colaborando com publicações a exemplo do , além de militar nas redes sociais, onde atualiza diariamente seus registros fotográficos sobre cenários e personagens da cidade, sem usar filtros ou flash, preferindo a luz natural.

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A noite não é uma ciência exata

Desde que abriu as portas ao público, em 21 de março deste ano, o Guernica reposicionou a Travessa dos Venezianos no mapa da noite de Porto Alegre. Depois disso, essa paisagem histórica da capital gaúcha ganhou vida nova ao ser ocupada – pacificamente, diga-se de passagem – por uma galera afeita à boemia e à vida cultural.

Para quem não sabe, o Guernica está alojado numa das 17 casinhas de porta e janela, com pé-direito alto, construídas no começo do século XX para acolher a população pobre do bairro Cidade Baixa, principalmente ex-escravos e seus descendentes, atraídos pelo aluguel barato. Por absoluto merecimento, em 1980 a Travessa dos Venezianos foi tombada como patrimônio histórico e cultural da capital gaúcha.

Em pouco tempo o Guernica passou a reunir um público animado de jovens (e nem tão jovens) atraídos não só pelo cenário histórico, mas também pelo cardápio de gastronomia artesanal e vegana e a programação musical oferecida pelo boteco, com shows acústicos de samba, música latino-americana e ritmos nordestinos.

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A História e os sonhos sob escombros

A história de uma das mais tradicionais escolas públicas gaúchas vai virar filme em 2020.

Uma equipe de ex-alunos está produzindo documentário que mostra o apogeu e o declínio do Instituto de Educação General Flores da Cunha, a mais antiga instituição de formação de educadores do Rio Grande do Sul, que completou 150 anos em abril de 2019.

Desde 2016, as aulas estão suspensas no edifício-sede situado na Avenida Osvaldo Aranha, junto ao Parque da Redenção, que se encontra bastante deteriorado e passa por conturbado processo de restauração. Atualmente, as obras estão paralisadas devido à falta de recursos, com a promessa do governo do Estado de retomá-las a partir de janeiro de 2020.

— A ideia é resgatar a importância histórica do Instituto, mas também expor o descaso e o abandono, que determinaram o desmanche dos sonhos e da memória afetiva de várias gerações que passaram pela escola, diz o diretor e roteirista do curta-metragem IE: 150 Anos de Educação. Fredericco Restori, que estudou no colégio de 2012 a 2016.

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Festa no jardim de casa

O casarão charmoso da Profana – marca que produz moda feminina autoral há 18 anos – abre as portas do pátio interno para uma tarde de muita arte, música e moda e, com isso, se transforma no novo espaço cultural de Porto Alegre. .
Com isso, o casarão, que já foi moradia da criadora da loja, Simone Moro, passa a funcionar também como espaço cultural aberto para manifestações artísticas e eventos que valorizam a produção local e fomentam a criatividade e um olhar mais sustentável para a moda. Uma notícia alentadora para a cidade e, em particular, para o bairro mais agitado da capital gaúcha. .
– A ideia é trazer pessoas que curtem arte e cultura para não limitar a circulação só a quem está fazendo compras aqui, diz Simone. Em seguida, ela acrescenta: – Às vezes, a gente se sente um pouco sozinha na loja, por isso, quer chamar a cena artística e cultural da cidade para também ocupar o espaço. .

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