Cultura em alta na Cidade Baixa

Bairro boêmio ganha centro cultural na José do Patrocínio

Aberto em outubro de 2020, CCCB está priorizando a operação do bar por causa da covid-19, mas planeja intensificar agenda cultural quando a epidemia passar (Fotos/Divulgação)

Aberto em outubro de 2020, CCCB está priorizando a operação do bar por causa da covid-19, mas planeja intensificar agenda cultural quando a epidemia passar (Fotos/Divulgação)

Fazia tempo que o bairro mais boêmio de Porto Alegre merecia ganhar um centro cultural.

Hoje, quem passar em frente ao número 296 da Rua José do Patrocínio já vai observar o nome Centro Cultural Cidade Baixa escrito na fachada do sobrado. Mas, por enquanto, a casa opera prioritariamente como bar. Assim que a pandemia da covid-19 for superada, deverá abrigar espetáculos de música e teatro, exposições de artes visuais e mostras de filmes, além de ensaios, rodas de conversa, palestras, cursos e oficinas. No pátio externo, a intenção é promover feiras de brechó e artesanato.

— A ideia é resgatar as ações culturais que foram perdidas nos últimos tempos não só por conta da covid-19, mas também pela posição do atual governo brasileiro de desestimular a produção de cultura no País — diz o analista de sistemas Lídio Hermínio Freitas Jr., um dos idealizadores do projeto.

A proposta é não cobrar pela cessão do espaço: “O ganho é a convivência com as pessoas e a reativação da vida cultural da cidade”, diz Rhuama, fundadora do CCCB (Foto/Rua da Margem)

A proposta é não cobrar pela cessão do espaço: “O ganho é a convivência com as pessoas e a reativação da vida cultural da cidade”, diz Rhuama, fundadora do CCCB (Foto/Rua da Margem)

Com plateia restrita, em função dos protocolos sanitários, já foram realizados alguns shows esporádicos de grupos musicais como Samba Delas (formado só por mulheres) e Samba do Arvoredo. Além disso, estão em andamento aulas de capoeira sob a batuta de Ricardo Mengue, o Chico, mais um que faz parte da gestão do CCCB.

A proposta do CCCB é não cobrar aluguel pela cessão de suas dependências aos promotores de eventos, obtendo retorno financeiro com a circulação de pessoas, que deverá incrementar o consumo do bar.

— Seja como for, o principal ganho que desejamos é a convivência com os artistas e o público, além da reativação da vida cultural da cidade — explica Rhuama Ayube de Azevedo, psicóloga com especialização no atendimento a crianças, que também participa da iniciativa.

Completam o time de sócios do CCCB Bolívar de Souza Duarte, que se define como “um jornalista que se curou a tempo de estudar cerveja”, e Giba Costa, poeta e “aprendiz de percussionista”.

Além deles, o centro cultural conta com a contribuição de parceiros, como os grafiteiros Felipe Reis e Zé Carlos Menezes, que pintaram a fachada e as paredes internas do casarão.

— A cada visitante que chega, apresentamos o projeto e convidamos a se envolver nas ações do CCCB. A casa está aberta à comunidade — ressalta Lídio.

artístico e etílico

Sem patrocínio ou qualquer tipo de apoio de empresas privadas ou do poder público até o momento, o CCCB é resultado do idealismo dos cinco fundadores.

Até 2019, Rhuama e Bolívar batiam ponto como clientes no Armazém Água de Beber, bar de cervejeiros da Rua Vigário José Inácio. Quando o boteco fechou, decidiram buscar outro pouso para a boemia, só que, desta vez, no lado oposto do balcão.

Para começo de conversa, adquiriram o maquinário do Água de Beber, que ficou guardado num depósito, enquanto a dupla procurava endereço para abrir o próprio bar.

— Chegamos a olhar imóveis no 4º Distrito, mas aí lembramos que, para curtir a noite por lá, é preciso ir de carro particular ou de Uber. Queríamos algo menos elitista — pontua Rhuama.

O grafiteiro Zé Carlos Menezes pintou a fachada e as paredes internas da casa

O grafiteiro Zé Carlos Menezes pintou a fachada e as paredes internas da casa

Paralelamente, após fechar as portas do La Cava, bar de espumantes que comandava na Rua Fernando Machado, Lídio também andava atrás de local para inaugurar um novo negócio. Depois de bater perna pelas calçadas do Bom Fim, dirigiu o foco para a Cidade Baixa.

A essa altura, como já se conheciam e tinham afinidades, Rhuama, Bolívar e Lídio cogitaram juntar esforços. Com a adesão de Chico e Giba, o martelo foi batido em outubro de 2020 num encontro na Cafeteria Multicultura, na Rua da República.

— Alguns amigos disseram: “Vocês estão malucos de abrir um centro cultural em plena pandemia!”. Talvez tenham razão. Somos loucamente apaixonados por cultura — afirma Giba.

O passo seguinte foi alugar o sobrado da José do Patrocínio, onde antes funcionava uma pizzaria – a Bá Pizzas.

— Quando ultrapassei o portão pela primeira vez, imaginei um centro cultural na minha frente, ainda que, naquele momento, não tivéssemos clareza sobre o que pretendíamos fazer dentro da casa — conta Lídio.

O CCCB está aberto das cinco da tarde até as 11 da noite de segunda a quinta-feira, estendendo o período até a meia noite na sexta e no sábado (cabe lembrar que o horário está sujeito aos protocolos sanitários da prefeitura conforme a evolução da pandemia).

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O carro-chefe do bar localizado na parte da frente do sobrado é a cerveja artesanal, mas o cardápio inclui também Jack Daniel’s (Apple e Fire com Ginger Ale), Jim Beam e gin tônica com limão e bergamota, além de hidromel da Daemon com hibisco.

A cozinha ainda não está ativa – o plano é oferecer, em breve, sanduíches e promover eventos itinerantes com chefs convidados.

Para o futuro, está planejada também a instalação de um café na área interna para atrair o público diurno:

— A pessoa poderá tomar o café da manhã aqui e aproveitar para conhecer as exposições de arte que estarão rolando — adianta Rhuama.

Outro propósito do CCCB é oferecer acomodação gratuita para artistas do interior ou de fora do Estado que, sem recursos para pagar hospedagem, venham mostrar o trabalho na capital do RS.

— Não é centro cultural da boca para fora: a casa tem que ser acolhedora mesmo — diz Giba.

Ah, por último e não menos importante – o coletivo cultural se posiciona explicitamente em favor de manifestações antirracistas e do ideário LGBTQIA+.

— Queremos que o CCCB seja um espaço de acolhimento, onde as pessoas, independente de classe, etnia ou orientação sexual, se sintam seguras e felizes — conclui Rhuama.