Negócios do bem

Quando a moda e a inclusão social caminham juntas

Coleção de tênis produzidos com material reciclado financia atividades de inclusão social em Novo Hamburgo (Fotos/Divulgação).

Coleção de tênis produzidos com material reciclado financia atividades de inclusão social em Novo Hamburgo (Fotos/Divulgação).

"Lá vêm os sonhadores". 

A frase está escrita acima da vitrine repleta de tênis coloridos e abaixo da placa que identifica a loja, mas quem passa apressado pela calçada da Rua da República, quase na esquina com a Lima e Silva, corre até o risco de não perceber.

Tem tudo a ver. Afinal, injetar sonhos e transformar a realidade de crianças e jovens sem perspectivas de futuro se constituem na alma do negócio que ocupa o ponto comercial no coração da Cidade Baixa. A loja é a face visível para o consumidor do Instituto Villaget, ONG que, em 2018, completa 15 anos de atividades de inclusão social e protagonismo juvenil na Vila Getúlio Vargas, uma das comunidades mais pobres de Novo Hamburgo.

– O consumidor hoje espera que as marcas sejam mais colaborativas e tenham uma visão integral do mundo, afirma o sociólogo e designer de calçados Mário Pereira, que coordena a ONG junto com a educadora Indiara Martins.

Loja foi aberta em novembro na Rua da República

Loja foi aberta em novembro na Rua da República

Na Vila Getúlio Vargas, jovens de 14 a 18 anos aprendem o ofício de calçadista em dois módulos de aprendizagem ao longo do ano – de abril a junho e de agosto a novembro. Paralelamente, no contraturno da escola, crianças a partir de sete anos recebem aulas de informática num laboratório com mais de 15 computadores.

Para que possam participar dos projetos, é imperativo que os alunos estejam matriculados na rede de ensino local, já que a Villaget não aceita meninos e meninas fora da escola. Se for necessário, a ONG providencia reforço de conteúdo para melhorar o desempenho escolar da molecada.

Além disso, mulheres já próximas da aposentadoria, mas fora do mercado de trabalho formal, são capacitadas para produzir bolsas e carteiras de couro. Aprendem também a trabalhar com o Excell e outras ferramentas digitais para que se qualifiquem como Microempreendedoras Individuais (MEI). Depois, elas vendem os artigos em feiras e eventos de economia solidária. 

– O que mantém tudo isso é a venda dos tênis não só em feiras e eventos, mas principalmente na loja da Cidade Baixa. Assim, a Villaget não depende de recursos públicos para realizar suas ações sociais, relata o fundador da ONG.

Aberta em 11 de novembro de 2017, a loja oferece quatro modelos de tênis unissex, de estilo casual, produzidos com material reciclado – sobras de tecido e lona doadas pelas fábricas de calçados –, ao preço de R$ 80. Bolsas saem por R$ 20. 

Além da preocupação com aspectos sociais e ambientais, os calçados apresentam outra particularidade: são produtos veganos, uma vez que, em sua fabricação, não são utilizadas matérias-primas ou componentes de origem animal. 

Os 500 pares produzidos mensalmente são fabricados por empresas parceiras, a maior parte comandada por microempreendedores. Com a crise econômica, o setor calçadista enfrentou dificuldades, o que resultou na demissão de funcionários. Alguns deles montaram pequenas fábricas, que abastecem a vitrine da loja da Rua da República. É também uma forma de agregar valor social à cadeia produtiva.

A opção pela Cidade Baixa se deu após um estudo do perfil de público adequado à marca, de acordo com a gerente da loja, Cecília Crancio, bióloga e consultora  ambiental, que coordenou o Fórum Municipal Lixo Zero, promovido pelo Instituto Lixo Zero Brasil em agosto de 2017, na Unisinos, no qual Mário foi um dos painelistas. A afinidade entre eles transformou-se em oportunidade de gerenciar a loja na CB.

– Moro aqui na Cidade Baixa e venho a pé para o trabalho. Nada pode ser mais sustentável, comenta Cecília.

Gurizada da Vila Getúlio Vargas recebe aulas de informática no laboratório da ONG

Gurizada da Vila Getúlio Vargas recebe aulas de informática no laboratório da ONG

No começo de dezembro, Mário abarrotou a mochila de calçados e partiu com Indiara Martins, parceira de vida e empreendedorismo, para Canasvieira, praia do norte de Florianópolis, onde há cinco anos o casal abre uma frente avançada da Villaget durante os meses do verão. Não faltam planos para o futuro. A ideia é apoiar projetos sociais também em Santa Catarina em 2018. Outro foco de atuação será Porto Alegre, a partir do segundo semestre do ano.

– Vivemos num país com uma dívida social muito grande. A Villaget acha que o mundo da moda pode contribuir para que as mudanças aconteçam, conclui o sociólogo.

Paulo César Teixeira