Veg Boteco

fora da rota da gastronomia da moda, o Bar do Tio Lú, no bairro azenha, é uma opção de comida vegana boa e barata

Desde novembro com as portas abertas, o bar da Rua Marcílio Dias pretende mostrar que veganismo não é moda nem coisa de gente rica (Fotos/Divulgação)

Desde novembro com as portas abertas, o bar da Rua Marcílio Dias pretende mostrar que veganismo não é moda nem coisa de gente rica (Fotos/Divulgação)

Quem passa pela calçada em frente ao Bar do Tio Lú pode até não se dar conta da verdadeira natureza do boteco, um dos mais novos pontos veganos de Porto Alegre.

Desde novembro do ano passado, o bar está de portas abertas na Rua Marcílio Dias, no bairro Azenha, uma área da cidade que pouco tem a ver com os points de gastronomia da moda. Ali, está cercado de um comércio típico de arrabalde – lojas de artigos de religião, mercadinhos, pequena serralheria, chaveiro e barbearias. Nos arredores, não falta um mercado de gibis nem uma casa de produtos místicos com terapias alternativas.

Certamente, o vegano mais atento percebe na fachada o símbolo do movimento (um V na cor verde sobre o fundo escuro da placa) que congrega as pessoas que se recusam a consumir produtos de origem animal. Já quem não é iniciado no veganismo talvez se sinta simplesmente motivado a entrar para beber uma cerveja ou uma dose de cachaça.

– Se for este o caso, vai ficar feliz igual. De um modo ou de outro, o pessoal se sente em casa aqui, diz Roger Kauê, um dos sócios do Bar do Tio Lú.

Mesmo porque o botequim não se diferencia em quase nada de outros bares do tipo pé-sujo que se espalham pela região da Azenha. É um espaço pequeno e aconchegante, com uma mesa de sinuca ao centro e a jukebox (máquina de tocar música acionada por moedas ou notas de dinheiro) num canto à direita, logo na entrada.

Marca de boteco autêntico, a jukebox oferece música em troca de moedinhas

Marca de boteco autêntico, a jukebox oferece música em troca de moedinhas

Cabe a indagação: afinal, quem é o Tio Lú? A resposta é que não passa de um nome fantasia.

– Queríamos uma marca simples, dessas comuns de boteco, explica Adom Pus – aos poucos, os sócios do estabelecimento vão se apresentando.

O Bar do Tio Lú é uma parceria de três empresas ligadas ao veganismo.

Duas delas – a Alface Subversiva e a Terra de Gaia – produzem a comida oferecida no cardápio. Já a Resistência AntiFashion ocupa uma sala anexa para expor camisetas, bonés, bottons e acessórios com estampas que divulgam os ideais veganos.

Antes de tudo, a ideia é mostrar que o veganismo não é moda nem coisa de rico, como muita gente ainda pensa.

– Quando abrimos o bar, a primeira coisa que decidimos foi montar um cardápio com preços acessíveis, relata Larissa Freitas, que também faz parte da equipe.

A proposta não é casual. A galera do Bar do Tio Lú condena o que qualifica como “gourmetização” do veganismo, uma tendência que se traduz no lançamento de alimentos com o preço nas alturas não apenas para aumentar o lucro das empresas, mas também como forma simbólica de marcar diferenças sociais.

– Desde que o mercado descobriu o veganismo, os produtos ficaram bem mais caros nos supermercados, o que afasta as pessoas, repara Juliana Toigo, outra sócia do empreendimento.

Na contramão dos modismos, qual é o segredo para ofertar comida boa e barata? 

No caso do Bar do Tio Lú, além do despojamento do ambiente, o uso de ingredientes artesanais (feitos em casa) também contribui para que o cardápio seja bastante acessível. Para comprovar isso, na ponta do lápis, Juliana cita o exemplo de uma família de quatro pessoas que não irá gastar mais do que R$ 30 para se alimentar na casa. Bastará pedir quatro coxões de proteína de soja com azeitona – cada unidade com 400 gramas custa R$ 5. Para completar, um suco de frutas ao preço de R$ 2 para cada um.

– Ainda sobram R$ 2 de troco, vibra ela.

Dá para citar também o risoles de caponata de beringela ou de palmito, queijo vegano e orégano a R$ 3 e a porção de salgadinhos ao custo de R$ 8, sem falar nas 20 modalidades de pizza – a fatia a R$ 5 e a brotinho a R$ 10.

Clique na imagem abaixo para ver as opções do cardápio do Bar do Tio Lú.

Entre as cervejas, o freguês pode escolher a Província, marca convencional fabricada em Santa Maria, ou artesanais como a Insurreição, de São Francisco de Paula. Aos que preferem destilados, estão disponíveis boas doses da cachaça Corote ou do conhaque Presidente.

Algum desavisado pode estranhar que os adeptos do veganismo não façam restrições a bebidas alcoólicas. 

Na verdade, embora o movimento seja muitas vezes associado a uma ideia de saúde, especialmente como segmento de mercado, uma coisa nada tem a ver com a outra, como explica Kauê:

– A gente está nessa pela defesa dos animais. A saúde é consequência.

Até porque, em boa parte dos casos, a alimentação vegana está repleta de saborosas frituras, o que contraria as orientações médicas para uma vida saudável.

Se há algo de que os veganos não abrem mão é a exigência de que os produtos que serão consumidos não utilizem componentes de origem animal. Para quem não sabe, alguns fabricantes de vinhos e cervejas usam substâncias derivadas de ossos e tendões bovinos (resíduos da indústria frigorífica) ou até bexigas de peixes de água doce para clarificar as bebidas.

Só que, para que a marca de comida ou bebida figure na lista de produtos veganos, não basta que não use ingredientes de origem animal. Ela também está proibida de patrocinar ou mesmo apoiar eventos que, de algum modo, explorem os bichos, como rodeios, vaquejadas, torneios hípicos ou corridas de cavalo.

A regra vale para qualquer setor da economia. No caso de cosméticos, por exemplo, não é raro que as empresas promovam a crueldade de realizar testes de qualidade dos itens com cães, camundongos e coelhos. Não é o caso da Flor de Menta, marca de cosméticos que expõe xampus, sabonetes e batons nas prateleiras do Bar do Tio Lú.

Se alguém imagina que é fácil burlar a vigilância da moçada, é melhor desistir. Atualmente, os grupos veganos estão muito bem organizados, especialmente nas redes sociais. Páginas no Facebook, como a CerVeganos e a VegAjuda, reúnem milhares de ativistas, que monitoram o comportamento das companhias e atualizam periodicamente as tabelas com a indicação das marcas com o selo do veganismo.

Eventos como A Noite dos Últimos Pilas reúnem a comunidade vegana e o público em geral para confraternização no Bar do Tio Lú

Eventos como A Noite dos Últimos Pilas reúnem a comunidade vegana e o público em geral para confraternização no Bar do Tio Lú

Naturalmente, o Bar do Tio Lú se transformou num ponto de encontro de ativistas do veganismo e defensores dos direitos dos animais.

– Neste meio, todo mundo se conhece. Um passa a dica para o outro rapidamente, diz Kauê.

O boteco é rota de veganos que estudam na Fabico (Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação) e no campus da Saúde da UFRGS. Chegam estudantes também da PUC/RS e da UniRitter. Não bastasse a afinidade de ideias, outro fator de atração é a Avenida Azenha, um dos eixos do transporte coletivo de Porto Alegre.

Para confraternizar com o público, o Bar do Tio Lú realiza eventos como a Noite dos Últimos Pilas, sempre na sexta-feira ou no sábado do último fim de semana do mês, quando todo mundo já está sem grana. Nessas ocasiões, promoções especiais agitam a noite, com adição de novos sabores aos pratos já oferecidos ou com acréscimo de opções que não estão no cardápio – recentemente, a novidade foi a oferta de pastéis a R$ 2.

Com tudo isso, o boteco da Rua Marcílio Dias desfaz a ideia equivocada de que o veganismo é uma espécie de seita, formada por gente maluca que insiste em contrariar o apetite da maioria de carnívoros, algo muitas vezes pouco compreendido, ainda mais na terra do churrasco. 

Mais que isso, comprova que a opção de alimentação ou o estilo de vida não separa as pessoas em círculos fechados nem isola ninguém do resto do mundo. Pelo contrário, o Bar do Tio Lú está aberto ao público em geral e sabe receber todo mundo com simplicidade e cortesia.