Salve o moinho

Espaço de memória e identidade coletiva, casarão que abrigou antigo moinho no centro de farroupilha é tombado, mas ainda corre riscos

O Moinho Covolan impulsionou a economia da serra gaúcha no século passado e virou centro cultural em 2008 (Fotos/Acervo da Associação Cultural Moinho Covolan)

O casarão no coração de Farroupilha, na serra gaúcha, tem muita história para contar. Como se não bastasse, até pouco tempo atrás era um point noturno da cidade.

Mas, de uns tempos para cá, ninguém mais podia dar a certeza de que o Moinho Covolan não poderia se transformar, de uma hora para outra, em poeira e ruínas. Afinal, é o que acontece com boa parte do patrimônio histórico no Brasil.

Essa ameaça ficou um pouco mais distante com o tombamento do prédio, decretado no último dia 7 de junho, pelo Conselho Municipal de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (COMPHAC) de Farroupilha.

Nada mais justo.

O Moinho Covolan impulsionou a economia da região da serra, no século passado, com a produção de farinha de trigo. Além disso, com autonomia na geração de eletricidade, chegou a repassar energia elétrica para o hospital e outros pontos essenciais de Farroupilha, durante a Segunda Guerra Mundial.

Roda de pedra

Moinho se destaca na paisagem de nevasca em Farroupilha, em 1940

Acima de tudo, o casarão guarda as marcas do empreendedorismo pioneiro de seu fundador, Antônio Covolan, filho de imigrantes italianos que se estabeleceram no Rio Grande do Sul em 1876.

O edifício de três andares, mais subsolo e sótão, está localizado na esquina da Rua Marechal Floriano com a Independência, na região central de Farroupilha, uma das áreas mais cobiçadas das redondezas em função da valorização imobiliária.

Foi construído, a princípio em madeira, por volta de 1920. A estrutura de alvenaria, com paredes de 50 centímetros de largura, assentadas sobre uma fundação de pedra basalto, foi montada em diferentes etapas, concluídas em 1942. A arquitetura surpreende por não possuir nenhuma viga de concreto para sustentar os cinco andares.

Nos primeiros anos, operou graças à energia gerada por uma máquina a vapor. Na metade dos anos 1920, Covolan adquiriu um motor movido a gasogênio da Companhia Força e Luz de Montenegro. Só que havia um problema: as estradas daquele tempo não tinham condições de suportar uma carga tão pesada (10 toneladas).

A solução dada pelo filho mais velho do fundador, Quinídio, engenheiro autodidata, foi desmontar o equipamento, peça por peça, para transportá-lo e remontá-lo em Farroupilha.

Por aquele período, também foi adquirido um maquinário de Dresden, na Alemanha, para a implantação de um sistema de moagem a cilindro, em substituição ao uso de roda de pedra, outra demonstração do pioneirismo da família Covolan.

Shows de rock e jazz

O moinho está desativado desde 1986, quando deu lugar a uma loja de vidros. De 1992 a 1996, foi invadido e usado como abrigo por moradores de rua. Por essa época, o artista plástico Gustavo Covolan, um dos netos do fundador, decidiu restaurar o prédio para transformá-lo em centro cultural, além de residir no local.

Inaugurado em 2008, o novo espaço ganhou o nome de Muinho Farroupilha. Com café, museu (sobre a história do moinho) e palco para música e teatro, virou ponto de encontro da galera de Farroupilha à noite.

Casarão em 1917

Pelo Muinho Farroupilha, passaram bandas de rock como Yellow Cap (Alemanha), La Abuela Cumbiambera (Argentina) e Loulou Players (Bélgica), além da gaúcha Cachorro Grande. Até o escritor Luis Fernando Verissimo deu uma canja com o grupo Jazz 6.

Ali, também foram realizados saraus literários, sessões de cinema e outros eventos culturais em parceria com o SESC, além de feiras de artesanato produzido por pacientes do Centro de Atenção Psicossocial do SUS.

As atividades do Muinho Farroupilha foram suspensas no início de 2022, por força de ordem judicial de despejo, em meio aos preparativos para a realização de um leilão do imóvel.

Como os 16 herdeiros de Antônio Covolan não chegaram a um acordo, o edifício já havia ido a leilão no começo de 2021. Em um gesto ousado, tinha sido arrematado por R$ 2,1 milhões pela Associação Cultural Moinho Covolan, entidade criada por Gustavo para evitar a demolição.

— Oferecemos um real a mais que os concorrentes no último minuto do leilão, mas depois não conseguimos levantar recursos para honrar o pagamento – relata ele.

proteção ampliada

Um novo leilão deverá ser realizado (ainda sem data marcada) para selar o destino do casarão histórico. Enquanto isso, como está desocupado, existe a preocupação de que se deteriore pela falta de manutenção ou seja novamente invadido por mendigos, como aconteceu na década de 1990.

O Moinho Covolan é a primeira construção privada a ser tombada em Farroupilha. O processo de tombamento tramitava desde 2013.

Além de proibir a demolição da fachada e das paredes externas, o decreto da prefeitura determina que “qualquer alteração pretendida no imóvel tombado deverá ser precedida de consulta e aprovação do COMPHAC”.

Embora o desfecho do caso tenha sido comemorado pelos defensores da cultura e do patrimônio histórico, ainda não há segurança de que o conjunto arquitetônico esteja plenamente protegido.

Outro processo de tombamento tramita, em nível federal, no Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), ampliando a abrangência da proteção ao mítico prédio de Farroupilha.

— Não queremos que o Moinho Covolan se torne mais um escombro, mais um buraco no coração da história da cidade, uma vaga lembrança engolida pela especulação imobiliária, que destrói a identidade de nossas origens — diz a produtora cultural Natália Malfatti, que faz parte da mobilização em favor da preservação do antigo casarão.

Com o nome de Muinho Farroupilha, espaço promoveu shows de música, peças de teatro e outras atividades culturais de 2008 até o começo deste ano