O coração da bananeira

Banana Verde, pioneira na venda de produtos ecológicos, volta às origens ao abrir loja de frente para a Feira do Bom Fim

Felipe e Renata, com os gêmeos Caetano e Eduardo: novo endereço marca retorno ao espaço nobre da cultura ecológica em Porto Alegre (Fotos/Ro Lopes)

De escovas de dentes de bambu a repelentes de óleo de cravo. De cosméticos de argila a artigos tradicionais que caíram em desuso (mas que continuam eficientes e sustentáveis), como fraldas de pano e filtros de barro. Sem falar de peças recicladas como ecobags feitas de sobras de guarda-chuvas quebrados.

Quase tudo que se possa imaginar de útil e agradável ao cotidiano pode ser encontrado nas prateleiras da Banana Verde, loja pioneira no ramo de produtos ecológicos não-alimenticios em Porto Alegre.

Loja aberta no começo de abril se localiza em área tradicional do comércio de produtos ecológicos

O que existe em comum entre os mais de mil produtos, oriundos de uma centena de fornecedores (desde pequenas iniciativas até marcas consagradas, como Cativa e Bioart) exposta nas gôndolas?

Sem dúvida, é o conceito de consumo consciente:

— A proposta é ajudar as pessoas a substituírem o máximo de produtos convencionais que têm em casa por alternativas ecológicas — diz Felipe Viana, que dirige a loja com a mulher, Renata Flau, há nove anos.

Desde sábado, dia 8/abril, essa variedade de artigos que fazem bem à saúde das pessoas e do resto do planeta está de casa nova. O curioso é que a mudança de endereço representa uma volta às origens.

Explica-se: o sobrado que agora abriga a Banana Verde – na Avenida José Bonifácio, 593, quase esquina com a Rua Santa Terezinha, no Bom Fim – situa-se de frente para a Feira dos Agricultores Ecologistas, a mais antiga feira ecológica do País (fundada em 1989, aberta sempre aos sábados pela manhã).

Foi justamente entre os feirantes da José Bonifácio, uma década atrás, que Felipe e Renata montaram uma banquinha que viria a ser a primeira trincheira de vendas presenciais da empresa (antes, as peças eram vendidas só pela internet).

Como curiosidade, vale citar que a casa da José Bonifácio abrigou, no começo dos anos 1980, os estúdios da Bandeirantes FM, que depois virou Ipanema FM e se transformou em ícone de emissora com programação descolada e alternativa para mais de uma geração de porto-alegrenses.

Veja abaixo alguns dos produtos da Banana Verde.

Um desertor no paraíso

Da banca na feirinha ecológica do Bom Fim para os tempos atuais, a marca se expandiu, mas preservou a coerência da trajetória.

— Antes de abrirmos a loja, éramos consumidores de produtos ecológicos, além de militantes da causa ambiental. Nada foi por moda ou oportunismo — ressalta Felipe.

Pura verdade. Tanto que Felipe, em 1995, aos 19 anos, resolveu utilizar uma propriedade familiar no Morro São Pedro, na zona sul de Porto Alegre, para executar projetos de desenvolvimento sustentável que fervilhavam em sua cabeça (hoje, o sítio é a sede do Instituto Econsciência, ONG dirigida pelo fundador da Banana Verde).

Fazia todo o sentido.

Pouca conhecida da maioria dos porto-alegrenses, a região do Morro São Pedro é considerada um dos redutos naturais mais bem conservados da cidade. Abriga desde campos e matas nativas, que servem de refúgio para espécies ameaçadas de extinção (como o bugio-ruivo), até nascentes de águas límpidas que formam os Arroios do Salso e do Lami.

Coletores menstruais nas prateleiras da nova loja

Por essa época, Felipe também frequentou o curso de Agronomia, que não chegou a concluir – bem-humorado, ele se diz um “desertor” da faculdade. Depois, formou-se em Geografia.

Fora da academia, aprofundou os estudos em permacultura e construção ecológica, que colocou em prática na Casa Tierra, atelier de bioconstrução que desenvolvia projetos para o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) e a Anama, ONG de conscientização ambiental e turismo ecológico de Maquiné, no sopé da Serra do Mar, entre outros clientes.

Em 2008, a Casa Tierra também foi parceira de primeira hora da Comuna do Arvoredo, comunidade que transformou um antigo casarão da Rua Fernando Machado, no Centro Histórico de Porto Alegre, em espaço de moradia coletiva, cultura, terapias alternativas e agroecologia.

— Dividíamos o aluguel com a galera e, além da garagem, que usávamos como escritório, ocupávamos algumas salas para reuniões e oficinas — relembra Felipe.

Formada em Biologia pela UFRGS, Renata, por sua vez, tem serviços prestados à Fundação Projeto Tamar, entidade que, desde 1980, trabalha pela preservação das tartarugas marinhas no litoral brasileiro (ela atuou em Florianópolis).

Além disso, de 2012 a 2014, foi Coordenadora de Gestão Ambiental do Palácio Piratini (no governo de Tarso Genro). Nesse tempo, a sede do Executivo estadual passou a contar com tratamento de resíduos sólidos e operação de compostagem de resíduos orgânicos, além de uma horta agroecológica e duas cisternas para reaproveitamento da água da chuva.

Da teoria à prática

O casal já se conhecia de vista dos corredores da UFRGS e até tinha amigos em comum, quando ela subiu o Morro São Pedro para fazer um curso de permacultura. Quase um ano depois, os dois se reencontraram numa festa do curso de Biologia e começaram a namorar.

— Desde então, estamos sempre juntos — comenta Renata.

Quando nasceu a filha Luana, que completa 11 anos em 2023 (depois, vieram os gêmeos Eduardo e Caetano, hoje com um ano e quatro meses), o convite para o chá de fraldas tinha um aviso: “Não queremos fraldas descartáveis”.

Tudo começou com filtros de barro vendidos na internet e entregues em casa

Além de não afogar os mares com resíduos plásticos, que demoram 500 anos para serem reabsorvidos pela natureza, as fraldas de pano usadas por gerações antigas (a primeira peça infantil descartável data de 1947) causam menos reações alérgicas nos bebês, assegura Renata.

Na rotina da bióloga, o passo seguinte foi substituir os absorventes descartáveis pelo coletor menstrual.

— Uma mulher consome cerca de 11 mil absorventes ao longo de sua vida menstrual. Com o coletor, além de economizar dinheiro, vai gerar menos lixo para a sociedade — afirma ela.

Enquanto isso, Felipe gastava sola de sapato numa pesquisa de campo informal para avaliar o mercado local de filtros de barro – o modelo de purificação da água foi apontado pela publicação americana The Drinking Water Book como o mais confiável existente no mundo. 

Depois de visitar quatro ferragens, ele concluiu que o produto era bastante neglicenciado entre vendedores e lojistas.

— Ninguém sabia informar o tamanho ideal para cada perfil de consumidor ou os tipos de vela disponíveis. Certamente, não eram usuários do filtro em suas casas, por isso, não botavam fé nele.

Ato contínuo, Felipe criou o perfil João de Barro Filtros no Facebook para suprir a lacuna no mercado, com a vantagem de oferecer entrega a domicílio. Em pouco tempo, já estava vendendo quase 100 filtros por mês.

A essa altura, Renata vendia fraldas e absorventes de pano, além de coletores menstruais, também pela internet. Em ambos os casos, as entregas eram feitas de moto ou bicicleta.

— À medida que as coisas davam certo, percebemos que aquele era um caminho sem volta. Cada vez mais, as pessoas iam querer consumir produtos ecológicos — anota Renata.

Banca na Feira Ecológica do Bom Fim, em 2013: primeiro ponto de vendas físicas (Foto/Arquivo Pessoal)

Foi quando Felipe e Renata receberam o convite para participar da Feira dos Agricultores Ecologistas. Dá para dizer que essa banca na feirinha do Bom Fim constituiu a semente da Banana Verde.

De tanto escutar as pessoas indagando onde os produtos ecológicos estariam disponíveis nos dias de semana, o casal se deu conta de que era hora de abrir uma loja física.

Afinal, por mais comodidade que ofereça, a internet não disponibiliza ao consumidor uma experiência de compra tão gratificante quanto à proporcionada pelo contato direto com o vendedor.

— Ninguém gosta de adquirir um perfume sem provar o aroma ou um coletor menstrual sem manuseá-lo para sentir o volume e a textura. As pessoas querem vivenciar o produto antes da compra — assegura Felipe.

Afora isso, a loja física possibilita que a pessoa receba dicas de uso e outras informações valiosas sobre o que está levando para casa. E, cá entre nós, Felipe gosta de uma boa prosa, ainda mais se girar em torno de um tema tão apaixonante para ele quanto a ecologia.

De volta para casa

Assim, a Banana Verde – nome escolhido pela sonoridade e brasilidade da expressão –, foi aberta, a princípio, na Rua José Otão, no Bom Fim, em 2014. Um ano depois, se mudou para um ponto mais espaçoso e bem localizado no bairro, na Rua Henrique Dias, próximo à esquina com a Fernandes Vieira.

Primeira loja na Rua José Otão, em 2014 (Foto/Arquivo Pessoal)

Lá ficou até a crise sanitária da covid-19 mudar os hábitos de todos nós com a necessidade de isolamento social. Por um tempo, Felipe e Renata atenderam atrás de uma mesa, na área externa da loja, e ainda assim só durante dois dias da semana.

Em 2021, quando a pandemia deu sinais de recuo, a Banana Verde simplesmente atravessou a rua para se instalar numa loja um pouco mais ampla. Com isso, passou a operar quase normalmente, preservando o distanciamento físico entre as pessoas que ainda se fazia necessário.

Agora, a opção de se mudar para a Avenida José Bonifácio fecha um círculo do tempo. Além do retorno às origens, existem motivos de sobra para justificar o novo endereço.

— É o ponto nobre da cultura ecológica de Porto Alegre. Estamos indo ao encontro do consumidor da Banana Verde — celebra Felipe.

Já de portas abertas (confira os dias e horários no Instagram da Banana Verde), a nova loja ocupa apenas parte dos 200 metros quadrados do sobrado.

Loja tem como vizinhos a Igreja Santa Terezinha, o restaurante Govinda e o antigo prédio da Escola Projeto

A ideia é compartilhar as demais salas para a realização de palestras, oficinas, aulas de yoga, shows de música, lançamentos de livros e outros eventos que estejam alinhados à proposta de sustentabilidade da Banana Verde.

O novo espaço multicultural da cidade vai ganhar nome próprio – Casa Mangará.

Na língua tupi-guarani, mangará significa coração. Ao mesmo tempo, a palavra também se refere à ponta do cacho da bananeira. De cor avermelhada, essa parte da planta é também chamada de coração ou umbigo da bananeira.

Em outras palavras, a Casa Mangará será o coração pulsante da Banana Verde.